Quando se sentou à mesa do almoço com o JN, ainda estava a saborear o gosto de ter "obrigado" o socialista José Sócrates a criticar o socialista Carlos César. O debate quinzenal tinha terminado pouco tempo antes, no Parlamento, e Miguel Macedo levara ao plenário o tema da excepção açoriana aos cortes salariais para os funcionários públicos. "Tinha de ser. Sócrates não podia fugir à pergunta directa e continuar nas meias-tintas".
Determinação não faltou ao líder da bancada social-democrata para confrontar o primeiro-ministro sobre este assunto. O mesmo não aconteceu em relação à alteração das leis laborais. Um tema tabu?
"Não. Mas não podemos ser preconceituosos". Significa esta frase que um social-democrata tem de ser "pragmático", sem aceitar a "lei da selva".
Nos tempos que correm, a fasquia está baixa para os direitos dos trabalhadores. Chegou-se ao ponto de ter escolher entre o trabalho precário e o desemprego. O pragmatismo social-democrata aconselha a ver a realidade de forma "despreconceituosa".
"Até agora, o Governo não afirma que irá mudar o Código de Trabalho. Parece querer apenas mexer no valor das indemnizações, em caso de despedimento. O PSD não tem complexos em relação a mudanças na legislação laboral, mas reconheço que há muitos empresários que gerem bem as empresas com o actual quadro legal." Uma no cravo, outra na ferradura, porque "é preciso ter resultados", na produtividade e na redução do desemprego.
Não fizeram parte da ementa do almoço porque o tempo não é delas, mas as cerejas da conversa à volta da mesa levaram-nos ao salário mínimo e à memória do momento em que "caiu o Carmo e a Trindade" quando Manuela Ferreira Leite admitiu, há um ano, que o aumento do salário mínimo deveria ser ponderado. Agora, os socialistas dizem o mesmo.
Pela parte que lhe toca, Miguel Macedo começa por não esquecer que há muitos novos pobres que são trabalhadores e que 500 euros é um valor muito baixo. No entanto, porque há sempre um "mas" em tempo de crise, "no quadro da Concertação Social, deve ser avaliado o impacto do aumento do salário mínimo na taxa do desemprego.
Mais uma vez, a escolha é perversa e a culpa não morre solteira. Tem um rosto: o de José Sócrates. E não há remodelação governamental que valha ao primeiro-ministro. "Faça ou não faça uma remodelação, ele [Sócrates] é o responsável". Porque não quis ver os sinais, nem ouvir os avisos, quando a a crise económica estava já aí. Por contrário, gastou à tripa forra em vésperas de eleições.
À lembrança do convidado do JN surge o que muitos diziam de Joaquim Agostinho: "Que era um bom ciclista, mas que tinha passado ao lado de uma grande carreira". Em 2009, afirma, José Sócrates perdeu a oportunidade de ser um grande estadista. Se tivesse enfrentado a realidade, poderia não ter ganho as eleições, mas teria ganho o país. Sócrates é uma boa máquina eleitoral, mas não passa disso".
Não se confunda esta ideia de Miguel Macedo com desvalorização do adversário. "Não contem comigo para isso. É muito perigoso politicamente".
Do alto dos seus cabelos brancos, que não significam velhice mas um sinal de que não ficará "careca", o deputado deixa um aviso para o interior do partido, que sente já muito ansioso por voltar ao poder.
"Não tenhamos pressa. O importante é melhorar a situação do país, porque se ainda for mais ao fundo governar não será fácil para ninguém."
Em conformidade com este alerta interno, não se compromete com o tempo certo para o "assalto" ao poder. Sem resposta ficam as diversas formas de formular a pergunta sobre se irá ser apresentada pelo PSD um moção de censura ao Governo, logo após a posse do novo presidente da República.
"Se fosse para apresentar já uma moção de censura, por que teríamos viabilizado o Orçamento de Estado? Outra coisa é a execução orçamental. Se a execução começar a falhar, como é infelizmente previsível, dada a experiência anterior, repito o que já disse na cara do primeiro-ministro: não haverá terceira oportunidade".
Já com a raia a arrefecer no prato, as palavras voltam atrás. Aos alertas ignorados por José Sócrates. "Não poderia Cavaco Silva ter sido mais insistente?" A resposta é "talvez sim".
"Há um ano, o presidente disse claramente que a situação do país era 'insustentável'. O que suscitou um coro de indignação. Talvez devesse ter insistido mais, mas a verdade é que os que o criticam agora por não tido uma intervenção maior são os mesmos que previam que Cavaco iria imiscuir-se na governação".
Quanto ao balanço que faz do mandato presidencial, Macedo lança a frase: "Não sou apoiante incondicional. O mandato de Cavaco não foi perfeito". Desafiado a exemplificar as imperfeições, limita-se a dizer: "Foi positivo no cômputo geral". Palavras de um social-democrata que garante ser "cavaquista puro e duro", mas só para subscrever a frase dita e redita por Cavaco quando era chefe do Governo: "As remodelações são da responsabilidade única do primeiro-ministro."
jn